quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Scorsese & Herzog

Neste finde assisti, além do belo e curioso Uma Vida Iluminada, de Liv Schreiber, a dois ótimos filmes de dois diretores que estão entre meus preferidos: Os Infiltrados, de Martin Scorsese (este sim, meu preferido) e Nosferatu (refilmagem do clássico impressionista alemão de 1920) de Werner Herzog (que vem me conquistando a cada ano).

[Também tentei ver A Síndrome Da China, de James Bridges, mas não empolgou, deixei-o pela metade. Mas continuemos.]

Eles filmam com paixão, com tesão. Seus filmes, além das fronteiras da técnica e do estudo, além das imposições do mercado e dos estúdios, são fruto de suas índoles, de suas experiências, da própria psique desses artistas.

Scorsese, que sempre busca a redenção junto com seus personagens, sejam eles Travis Bickle (Taxi Driver), Jesus Cristo (A última Tentação De Cristo), Jake La Motta (Touro Indomável) ou o recente Billy Costigan (Os Infiltrados). O diretor, que viveu se equilibrando no fio da navalha, entre a arte e a bandidagem, entre a religião e as drogas, entre o cinema e a vida da periferia, na Little Italy novaiorquina, transpõe tudo isso para suas obras.

Já Herzog, autêntico borderline, um improvável precursor/ adepto do jornalismo gonzo mesmo para obras de ficção, daqueles que come o próprio sapato para pagar uma aposta (Werner Herzog Eats His Shoe), coloca seu cast para perigosas e surreais viagens para áreas desconhecidas da Amazônia (Fitzcarraldo) e do Saara (Fata Morgana) e ameaça seu astro principal com uma espingarda (Meu Melhor Inimigo).

[Creio que Pasolini também possa ser incluído nessa dupla, transformando-a num trio; porém só vi um filme dele até agora, o que me impede de analisá-lo.]

Claro que essa posição extremada não é obrigatória para uma boa obra. Muitos artistas frios e calculistas realizaram grandes obras em plena consciência e sem muito envolvimento emocional e muitos artistas horríveis fizeram porcarias que só tiveram fama por causa da vida junkie e das atitudes tresloucadas.

Mas que é mais fascinante quando paixão e talento se encontram, produzindo obras ímpares, ah, se é.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Assistindo

Irmão Sol, Irmã Lua: uma pouco de açúcar além da conta. Mas eu já esperava isso; afinal, é um filme do Zefirelli. Mesmo assim é uma obra belíssima, leve, terna, edificante (no bom sentido), a qual não busca julgar motivações religiosas ou esquizofrênicas de Francisco de Assis, mas apenas mostrar o quanto a vida simples, repleta apenas do essencial, pode conduzir à felicidade e à verdade interior a qual todos procuram. Talvez o único cristão que viveu como Jesus. Claro que uma exceção não invalida a tese d’O Anticristo de Nietzsche (“O Evangelho morreu na cruz”), mas, ainda assim, esse jovem nobre que escolhe a mendicância da natureza tem muito a nos ensinar com sua loucura (ou seria iluminação?). Altamente recomendável para tardes ensolaradas de domingo.

Fora De Rumo: engenhoso thriller sobre adultério, chantagem e crimes afins. Clive Owen, como quase sempre (Rei Arthur é dose) manda muito bem, enquanto Vincent Cassell convence bastante e Janiffer Aniston não compromete. O filme me prendeu bastante até o final, ainda que nos 10min finais tenha havido umas presepadas. Divertido.

O Senhor Das Armas: não gosto do Nicholas Cage, isso não é segredo. Acho-o péssimo, do nível de bobocas meramente esforçados como Tom Cruise e Reinaldo Gianecchini. Sabem que são ruins, até tentam melhorar, mas não conseguem. A cara de mané do Cage pode servir a melecas como Cidade Dos Anjos, e até não comprometer dramas leves como Asas Da Liberdade. Mas, em filmes pesados, como 8mm e este Senhor Das Armas, o resultado é desastroso. Só mesmo coadjuvantes de peso, direção bastante segura e um ótimo roteiro para segurar a onda. Felizmente temos todos esses ingredientes neste caso. Mas como irrita a eterna expressão abobalhada do protagonista: ele passa de filhinho de papai a negociante de armas com os piores escroques do planeta, presencia tragédias, tensões e massacres, mas não muda: o personagem continua raso, pálido, pífio, graças à “interpretação” de Cage. Sorte que o roteiro é formidável e não descamba, em nenhum momento, para atalhos e caminhos fáceis do sentimentalismo e do maniqueísmo. Jared Leto e Ethan Hawke estão OK e o filme é impactante.

Juventude Transviada: eu não estava exatamente no pique para vê-lo, mas, ainda assim, é um grande filme, bastante atual e moderno, fazendo jus à fama de clássico. James Dean é o típico rebelde sem causa, refletindo, com seus amigos e rivais, a típica atitude dos jovens e da sociedade em geral do pós-Segunda Guerra: niilismo, inconseqüência, sensação de presente absurdo. Sensação essa que parece não ter passado, em todos nós, até hoje. A náusea e a angústia parecem ter se instalado permanentemente na sociedade.

Gandhi: clássica cinebiografia do líder indiano (não apenas hindu) Mohandas “Mahatma” Gandhi. Filme marcante em todas as suas centenas de minutos. Nas cenas tocantes e nas cenas chocantes. Caracterizado de forma muito semelhante a Gandhi tanto na juventude quando na maturidade, Ben Kingsley dá show durante todo o filme, conferindo a doçura e a dignidade necessárias ao papel. Nem a extensão do filme pode ser criticada: as mais de 3h passam voando. Irretocável.

O Evangelho Segundo São Mateus: o primeiro Pasolini a gente nunca esquece. Rústico, feito com pouquíssima grana e, aparentemente, com atores amadores, esta deve ser o mais fiel retrato da vida de Jesus (pelo menos admitindo como verdade o Evangelho). Dando ênfase à vida monótona e pálida naquela parte rude e empobrecida do planeta, o filme dâ mais ênfase ao caráter político de Jesus, sua sanha revolucionária, por (várias) vezes assustadora, por vezes complacente. Vale notar que quase não há sofrimento físico para o Jesus de Pasolini. A violência maior está na fotografia e nas tomadas inquietantes. Vale a pena ser visto e revisto, deve melhorar a cada nova visão.