terça-feira, 24 de abril de 2007

Eternidades da semana

Morre Bóris Ieltsin: morreu o mais notório pinguço das últimas décadas. O cara que, empunhando uma garrafa de vodca, impediu um golpe contra Gorbatchov, segurou a bronca da redemocratização (fase final), foi eleito e reeleito reduzindo o PIB do país pela metade em um ano, pego bebendo numa reunião do G8, dançando melhor que o Coronel Tuchenko (skavurska), fazendo o Bill Pinton chorar de rir e entregando mais estatais a troco de banana para os amigos do que o FHC fez por aqui. Enfim, não era apenas um bêbado, mas um bêbado com metade do arsenal nuclear do mundo ao alcance dos dedos trêmulos. Merecia respeito. Um brinde de Absolut Vanilla para ele.

Em crise, paróquias vendem igrejas: paróquias de cidades interioranas da Europa estão vendendo seus terrenos (com igreja e tudo) porque o cash tá baixo. Realmente, a coisa anda feia pra Igreja Católica. Não é à toa que o Papa vem pra cá dar uma canonizada às pressas; pelo menos o outrora maior país católico do mundo precisa ser salvo, né.

Los Hermanos acaba: já era hora. Deviam ter parado depois da turnê do Ventura.

Operação Furacão: só eu acho que esses bingos (leia "cassinos") são todos de políticos, e que por isso não vai dar em nada, pra variar?

95 milhões de brasileiros não têm coleta adequada de esgoto: o Brasil é o país do futuro.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O homem é o urso do homem.

O primeiro Herzog a gente nunca esquece. Não é segredo pra ninguém (que me conhece) que sou fã desse alemão maluco. Tirando que vi Fitzcarraldo quando era moleque (e revi recentemente e amei-o), então não conta, O Homem-Urso (Grizzly Man) foi minha primeira experiência adulta com o universo idiossincrático do diretor.

Eu preparei um monte de anotações sobre o que escrever aqui, com diversas análises do filme, em todos os seus meandros. Mas de repente me dei conta de que já há várias análises bastante competentes sobre ele na net, especialmente estas, do Cine Repórter e do UOL Cinema. Portanto achei melhor então falar apenas das minhas impressões, em vez de analisar a obra em sua totalidade.

Sinopse rápida: durante treze anos, o ativista californiano Timothy foi todos os verões à reserva de Katmai, no Alasca (sozinho ou com eventuais namoradas), conviver com os animais, especialmente os ursos-pardos (grizzly bears, daí o nome do filme). No último ano, ele e sua companheira foram devorados por um dos ursos.

Sim, é verdade – veja algumas notícias aqui e aqui.

Descobriu-se que Timothy Treadwell tinha quase 100 horas de vídeo digital, gravados por ele mesmo, durante os últimos cinco verões de “ativismo suicida” (ele tinha consciência do perigo que corria). O Discovery Channel conseguiu acesso ao material, decidiu fazer um documentário e convidou o único cineasta capaz de uma empreitada dessas: Werner Herzog.

O alemão, como tudo que realizou, abraçou o projeto com obsessão, loucura e paixão (para mais sobre o comportamento do cineasta, ver o post Scorsese e Herzog). E Timothy era o personagem no qual Herzog se especializou em encarnar: um pária entre o egocentrismo e a autopiedade, a determinação e a loucura, a civilização e a natureza.

O diretor insere eventuais comentários em off com suas opiniões, entrevista parentes, amigos, conhecidos (o piloto que o levava até a reserva e o buscava, funcionários da reserva dos ursos, etc.), mas o grande astro é mesmo Timothy.

Não é um filme sobre a natureza ou sobre os ursos-pardos, mas sim uma investigação (involuntária, da parte do protagonista-cobaia) sobre a condição humana e os limites da eterna tensão entre o coletivo e o individual (o primeiro sempre esmagando o segundo, já dizia Durkheim em O Suicídio) e levando as pessoas a perder o contato e a identificação com a realidade e a buscar “seu lugar” em outro lugar (no caso de Timothy, entre os ursos).

O problema é que o mundo natureba idealizado pelo ativista maluco é, na verdade, tão ou mais cruel (ainda que sem intencionalidade) do que o “civilizado”. Por isso ele não conseguiu a redenção (a não ser que você concorde com ele que é uma felicidade virar comida de urso): como fica latente na tomada final, o urso tem aparência bela, meiga, mas é indiferente, egoísta e, quando preciso, feroz e impiedoso. Nada pessoal, claro. Mas é reflexo da natureza e, por que não, da própria espécie humana.

O mais fascinante, contudo, é poder mergulhar na mente com tantas perguntas e nenhuma resposta de Timothy e assistir à materialização de pensamentos e devaneios tão íntimos, daqueles que normalmente não temos coragem de admitir nem a nós mesmos, e evitamos revelar, tentamos escrever num diário, mas logo os atiramos ao lixo num papel amassado.

É um tratado sobre a humanidade no que há de mais íntimo, despido de qualquer máscara, com tudo que há de grandioso e patético, sonhador e angustiado. Perturbador e obrigatório. Veja, reveja, pense em tudo, passe noites sem dormir. Você não será mais o mesmo, para o melhor ou para o pior.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Eternidades da semana

Massacre na Virgínia. Mais um entre tantos. Mal dá pra ficar chocado.

Cada vez mais a cultura “übercapitalista” – especialmente nos EUA, onde há a claríssima divisão entre nativos e migrantes, vencedores e perdedores, a pátria-mãe dos programas estilo “TV-Crime”, vai se perpetuando a cultura de medo, ódio e segregação.

Some-se isso à extrema facilidade para se comprar uma arma de fogo e voilá: o cenário perfeito para um desajustado mental fazer sua chacina.

Professores e colegas disseram que se sentiam incomodados com o jeito “esquisito” do rapaz e seus textos “violentos” nas aulas. Mas ninguém fez nada, não houve quem se importasse com ele, nenhuma pessoa foi lhe perguntar se havia algo de errado.

Os sinais nunca são vistos nem ouvidos, tampouco sentidos.

Resta agora buscar as razões, ficar se perguntando como era a vida de um solitário migrante coreano de família muito pobre, num país predisposto à segregação.

Tanto lá como aqui, não há pensamento sem anacronismo, não há discussões além dos telejornais da referente semana. Enquanto estaremos, daqui dez ou vinte anos, discutindo o João Hélio da vez, eles estarão com seus Columbines e suas Virgínias.

E nunca entenderemos nada.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Da natureza dos lobos

Falou-se muito em amadurecimento de uma posição, em mudança de opinião, em desistência de lutar, em mágoa, em reconciliação, em picaretagem, em contradição.

Particularmente, pelo que li das entrevistas, ele está é magoado mesmo por ter gastado quatro anos de sua vida gravando o Canções Dentro Da Noite Escura, que não vendeu nada. Vendo-se novamente nos tempos de Nostalgia Da Modernidade e Noite, desistiu (pelo menos por ora) de remar contra a maré e resolveu faturar uns trocados. Diga-se de passagem que ele não foi bater na porta de nenhuma gravadora, mas sim lhe foi o ferecida a oportunidade do lançamento do acústico e o possível relançamento, daqui a dois anos (se não me engano) de sua discografia oitentista.

Mas vamos ao que interessa na verdade: a música.

E disso Lobão manja, e muito. Pérolas da fase independente em faiscantes versões, hits batidões tocados com todo o gás e até uma inédita dos tempos do Vímana. Os arranjos são classudos, com violas, cordas, etc. mas com todo o punch e todo o caos que suas músicas requerem (especialmente as mais recentes. Nada de violão safado de acampamento, nem covers desnecessárias, muito menos palhetadas de guitarra no violão.

Lobão uiva até o limite, como se fosse o último show da sua vida. É a entrega de sempre, a intensidade das letras verborrágicas, aquilométricas, provocativas, sangue & suor. Se for picaretagtem, é das melhores. Desisti de entender e resolvi curtir.

E tem Por Tudo Que For. Tem A Queda. Tem as cornetas. E ela quer fuder. Lobão subverteu tudo novamente. Seja bem-vindo novamente à superfície.

Mereceu até uma vodca Absolut para assistir comemorando.