quarta-feira, 30 de abril de 2008

So many ways to drown a man.

Tela preta, créditos, sirene. Rosto ensangüentado. Chefe de polícia recebe a notícia. Investigação + hospital + formatura dos policiais. To be a police officer means to believe in the law / and to enforce it impartially / respecting the equality of all men / and the dignity and worth / of every individual. / Every day, your life / will be on the line / and also your character. You'll need integrity, / courage, honesty, / compassion, courtesy / and perseverance / and patience. Chefe segura na mão. No primeiro dia de trabalho, ele vê o furuto chefe como "policial do mês". Trabalha com um vagabundo preguiçoso. Prende o estuprador, mas se negá a torturá-lo – ao contrário, conversa com ele. Talk to me. Save yourself. "Little Italy", música italiana, uma pessoa muito considerada na região. Musica italiana ao fundo. Passa o tempo: bigode, costeletas, cabelo grande. Lembro de Falcões Da Noite, aquele totalmente decalcado deste. Sempre reclamam do preciosismo dele. A mãe, só só fala italiano, dá a entender que ele lutyou na Guerra Da Coréia. Sai dirigindo pelas estradas cantando (mal) árias da terra-avó. Compra um sheep-dog na rua por cinco pratas. É uma pessoa tão boa-boba, desajeitada de tão ideal-idealista. [Lembra-me alguém, mas não me lembro quem.] Vai a uma palestra sobre Cervantes, ou uma aula de Espanhol. Encanta uma moça: é divertido. Ela é "bailarira, atriz, budista". Dançam balé na chuva. O colega tira sarro porque ele está lendo a biogafria de uma coreógrafa. Ele tem brilho nos olhos. Fica uma tempão mostrando ele pop-cult descolado com a loira entre os hippies. Ninguém nem acredita que ele é policial. Vira detetive, muda duas vezes de DP. Só um amigo – ambos dando bandeira e com larica na estação de trem, após aula de "degustação" na Academia. Chega a primeira propipna nas mãos, do "judeu Max". Ele pega, fica em casa, aturdido. Cresce o cão, cresce a barba. Todos o aconselham a aceitar o dinheiro, a fi mde não trazer problemas. Vai perdendo a graça e a iridescência do olhar. Conhece a namorada, vizinha, ouvindo Di Stéfano no quintal. Quer mudar de distrito. Ninguém o quer porque anda à paisana. Alguém já me disse que você tem tendências para a auto-piedade? Policiais mais velhos escondem tudo fingindo ajudar; os mais novos se indignam. Quem confia num policial que não aceita dinheiro? Mãos trêmulas, tensão, crises de culpa. Did you ever hear the story of the wise king? Well, there was this king, and he ruled over his kingdom. Right in the middle of the kingdom there was a well. That's where everybody drank. One night, this witch came along... and she poisoned the well. And the next day, everybody drank from it except the king... and they all went crazy. They got together in the street and they said... "We got to get rid of the king, 'cause the king is mad." And then that night, he went down and he drank from the well. And the next day all the people rejoiced... because their king had regained his reason. [Ele tem um piercing igual ao meu. Ele tem uma figura belíssima. Em comum, acho que só a bebedeira, os olhos caídos envoltos por olheiras e o agir bobo.] Um amigo, um cão, uma mulher. Ele insiste, é meio Carlos Lopes. Frank, você está se comportando como criança. Começa a descontar os problemas nas únicas pessoas que tem. Se eu pudesse trabalhar sozinho... ele surta, sua, seus olhos apagam. Prende um agiota; quando volta, o cara não só está solto, mas conversando com os outros detetives. Num simbolismo – figura de Jesus, roupa branca manchada de sangue – tem praticamente um amok, espanca o bandido, quebra tudo, xinga todos. Não interessa quem sofrerá, mesmo eu. A mulher vai embora. Encontro no café. Continue se torturando! / Fique comigo! / Não, não! Corrida na rua, desespero, a música vem num crescendo – o único momento com trilha sonora que não é na colônia italiana – It's finished! Tomadas inusitadas o tempo todo, misturando cortes bruscos com longos planos-seqüência. O processo é uma farsa, os superiores não dão a mínima. Muda de distrito, briga logo na chegada, é hostilizado, mas o chefe ajuda: ele consegue mais um amigo! Vão à imprensa. Transferido de novo, para ficar só. Scared, miserable, dreading to go to work. Vai para Narcóticos, muito mais dinheiro, propinas de 40 mil dólares. Armam para cima dele. Omitem-se quando ele precisa de cobertura. A mão presa na porta, cortada, o sangue o desespero. Não devemos falar com ele, pois ele não presta. No hospital, despreza o distintivo-de-ouro. What's this for? For being an honest cop? Or for being stupid enough to get shot in the face? Estado deplorável. Quase-choro. Angústia. Tem alta: paralisia do lado esquerdo, surdez de um dos ouvidos, vertigem. Imprensa novamente. Pequena-Itália novamente. Ele e o cão. Sentando à calçada. Sísifo triste. Créditos.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Estou por aí sempre pensando nela.

Depois da mulher da minha vida é a mulher da minha vida. E dela nem a mulher da minha vida tem ciúme, pois é a mulher da vida dela também. E meu texto que ia ser postado aqui sobre o show da Fernanda Takai ontem na Virada Cultural estava tão cheio de metáforas de fã apaixonado e com tantas referências ao trabalho-solo e ao Pato Fu que resolvi fazer logo uma poesia.

sábado, 26 de abril de 2008

Um Zero

Não sei como é para quem não escreve, ou escreve só por lazer. Mas para mim, que faço disso profissão-de-fé, há livros que são simplesmente bons, ótimos, marcantes, e aqueles que influenciam no estilo de escrever para o resto da vida, ainda que com oscilações de intensidade conforme as épocas, até que ela se cristalize e seja agregada ao estilo próprio.

Assim foi com os poemas de Augusto dos Anjos ("Ah, então a poesia pode ser podre, grotesca e horrenda, e, ainda assim, magnífica?"), Álvaro de Campos ("Ah, então além de não precisar de nenhuma rigidez formal, dá pra dizer o indizível, dá pra descrever o indescritível?"), Cecília Meireles ("Ah, então eu posso dizer o indizível com a tristeza delicada da impermanência da vida ante a eternidade da natureza, e ainda com músicalidade mesmo sem rima?") e Arthur Rimbaud ("Ah, então além de escrever sobre coisas horrendas, posso fazer poesia sem versos?", além dos romances de Graciliano Ramos & Albert Camus ("Ah, então eu posso escrever romances curtos, sem muito desenvolvimento de personagens além da sondagem psicológica, e fazer algo ao mesmo tempo sólido, denso, tenso e rápido?"), Jean-Paul Sartre ("Ah, então dá pra transformar o indizível num romance em prosa normal?"), Clarice Lispector ("Ah, então pode fazer romance sem história e só com rascunhos de personagens?") e Mário Benedetti ("Então eu posso usar recursos batidos, como escrever como num diário, usar um final impactante, e tudo isso sem parecer clichê?").

E aos 28 anos, depois de tanto livro lido, vem, no fundo, um pensamento bobo de que, mesmo com tanta coisa ainda por ler, tanto clássico e tanta jóia rara, eu dificilmente seria impactado por alguma coisa, ainda que eu leia para ter vontade de escrever, para ter vontade de tocar, para ter vontade de fotogafrar, para ter vontade de desenhar para ter vontade de... escrever. Jamais deixo de manter toda essa interação entre tudo que sou e faço.

Por sorte esse pensamento pálido foi demolido recentemente pel'As Palavras, do Sartre ("Ah, então eu posso fazer uma autobiografia sem nenhuma fato relevante e ainda assim ficar lindo pela própria linguagem?") e, é claro, pelo Zero, do Ignácio de Loyola Brandão. ("Ah, então eu posso misturar tudo isso que eu disse durante este texto?")

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Zero Zero

UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO

Carlos Lopes subiu escadas, tomou elevadores, andou pelos saguões cheios de bancos cheios de gente dos institutos, bateu em guichês, perguntou, pediu, correu. Em dois anos, se esqueceu de tudo, não voltou mais para casa, se esqueceu do trabalho, da vida, querendo salvar o filho nos braços. A roupa do corpo foi se esgarçando, a camisa se acabou, o terno estava fino, foi se rompendo. Mas Carlos Lopes era antes de tudo, um forte. Tinha esperança e sabia que iria reencontrar o guichê certo.

. No 177.
. No 178.
. No 175.
. No 179.
. No 174.
. No 1774.

Se enganava com os números, voltava ao 174.

. No 177.
. O senhor esteve aqui faz cinco minutos. Vá ao 1111.

[LIVRE ASSOCIAÇÃO: eu dei o disco
do jorge e a
gente se gostava mas você queria um
rico e a sua vida
bem aranjada você dizia vochê
? porque sumiu]

. Este é o 11111.

No 1111 mandavam ao 2222.

Carlos Lopes prossegue. É um inabalável. Acredita na natureza humana, tem esperanças de um 'novo provir'. Sobe as escadas embalado por visões de triunfo. Quer o seu guichê, quer salvar o filho. E grita e o seu é um grito soberbo de fé. O guichê, o guichê há de se abrir sobre ele, abra suas portinholas sobre nos! Das lutas na tempestade dá que eu ouça tua voz.

Numa madrugada, ao rubro lampejo da aurora, um homem nu subiu as escadas do instituto.

Não mão, levava um esqueletinho branco.

. Guiche 9.
? Está morto. Então é o guichê 7.
. Que mania de mandarem mortos para mim. Guichê 14.

Que neste instituto eu ache irmãos, nbão tiranos hostis.

. 12.
. 1.
. 22.
. É aqui. Deixe-o ver.

Mas nas guerras bos transes supremos eis de ver-nos lutarc e vencer.

? Ver o menino.
. Não sua documentação.

A maleta cheia foi passada, o funcionário examinou.

. Tem um problema.
? Qual.
. O senhor não tem mais direito a nada.
? Por quê.
. O senhor abandonou o emprego, faz dois anos.
. Tinha que cuidar do menino.
? Mas o menino não está morto.
. Mas estava vivo.
. O senhor matou.
. Não, é que demorou.
. O senhor matou. Matou seu filho.

Chamou os guardas e prendeu Carlos Lopes. Será julgado no dia 7 de dezembro e há poucas probabilidades de não pegar prisão perpétua.


[Ignácio de Loyola Brandão, Zero.]

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Zero Um

----- Original Message -----
From: Fábio Vanzo
To: loyolabrandao@xxxxxxx
Sent: Wednesday, April 02, 2008 4:29 PM
Subject: Zero

Olá Ignácio, tudo bem?

Vim aqui pra falar do Zero.

Nem espero que você responda, talvez esteja ocupado demais, talvez não se interesse... não tem problema; é só uma necessidade minha de dizer o indizível.

Li teu livro no início deste ano, na pior fase da minha vida tão repleta de momentos ruins; num velho exemplar – comprado em sebo por R$ 4, com dedicatória e marcas de biblioteca – aos farrapos; gastei mais em cola do que comprando um livro novo.

Estava tudo um caos ao meu redor e dentro de mim – um puta puteiro do caralho, como costumo dizer – e, a cada caco, cada tijolinho do teu livro em desconstrução eu ia revendo conceitos literários que jamais havia pesado serem possíveis.

Percebi que o que parecia um rolo-compressor era mais ou menos o método de escrita para meus contos e romances, num acúmulo de citações, papeizinhos e papelões, recortes e anotações, fichamentos... coisa que confirmei quando ganhei de presente da Karla, irmã da Jéssika, cuja mãe dançou com sua veia-bailarina), minha grande amiga, O Não Verás País Nenhum, que eu havia pedido de amigo-secreto, a edição comemorativa, o qual estou lendo atualmente, daquele jeito lento (tão contrário a mim) que a gente faz quando está gostando tanto da leitura que fica com dó de terminá-la.

[Aliás este seu endereço de e-mail pessoal eu peguei sem o consentimento delas.]

Pois lá pude, até agora, confirmar minhas impressões imprecisas a respeito do Zero. Aliás, voltemos a ele. Li-o sentindo-me um zero, um oceânico, abissal, vastíssimo zero. Fui José com seus ratos, Carlos Lopes com seus filhos mortos e as roupas em farrapos; conspirei, enganei, fui torturado.

Quando acabou, fiquei triste. Livro roubado de biblioteca, com aquele envelopinho pardo na última página e carimbos, depois dado de presente a alguém como se fosse novo (ou teria sido o contrário), para então ser desprezada a lembrança de quem o ofertou e vir ao meu encontro num sebo do centro de São Paulo.

Faz uns três meses que estou tentando digeri-lo, até dá medo de relê-lo: tomo-o nas mãos, folheio, ameaço escrever algo, mas sempre aquele turbilhão de sensações, slogans, desassociações, tudo me invade sem permissão e eu fecho o livro, aturdido. Hoje, além das outras marcas-de-guerra, ele também está manchado de Smirnoff Frutas Vermelhas, qual o sangue ébrio que derramei no pior dos piores dias.

Vim, vi e perdi tantos trechos, é uma obra indefinível, que faz frente às leituras que definiram meu estilo de escrever e viver. Como quando li Água Viva, da Clarice, pura dissolução das formas do romance, mas ainda com graça, leveza. Já teu número-zero foi uma sessão de tortura com intenções purificadoras como Alan Moore engendrou em V De Vingança.

Aumentou a responsabilidade para eu escrever meus romances, contos e poemas urbanamente imundos. Estou enchendo minha escrivaninha de trechos caóticos para fazer um conto em homenagem ao teu estilo, que entrará no meu próximo livro (tenho três não publicados, este será o quarto).

Desculpe-me se este e-mail está meio confuso. É que eu só sei ser impossível.

Eternamente grato pela opressiva influência, maldição literária recém-chegada e já permanente,

Fábio Vanzo

segunda-feira, 21 de abril de 2008

O paraíso na outra esquina

Wong-kar Wai. O chinês que faz filmes que devem ser obrigatoriamente vistos em tela grande, na maior tela possível, na mais impenetrável das escuridões, com o som mais cristalino (nada escandaloso). O diretor que concebe e concede cada cena, cada frame, cada plano como se fosse uma pintura, uma poesia, uma canção, uma escultura. Deixar-se levar por sua obra e deleitar-se nas belas-artes com poucos e sutis diálogos, a câmera "voyeurística" muito além de DePalma ou Hitchcock; é a direção que se deixa fluir, que permite a fluidez dos enredos fugidios – à primeira vista, aturdida, quase frouxos – e ser levado a um pequeno universo de grandes amores, tão desencontrados quanto o inevitável afastamento dos astros no vazio celeste. É o dificílimo equilíbrio entre deslumbre estético e concisão de roteiro, entre pretensão artística e entretenimento, num ritmo de águas calmas que, no entanto, jamais cai na maresia. É tudo que a nouvelle vague, o cinema-novo, enfim, todo autor pretensioso quis fazer, mas careceu de talento onde abundava o pedantismo. Quanto ao filme? Ah, a sinopse você pode ler em qualquer lugar. O elenco é irrepreensível – além da grata surpresa Norah Jones e de um tiozinho que desconheço (desculpa, tiozão), Jude Law, Natalie Portman e Rachel Weisz desfilam suas belezas (exceto o tiozinho) e destilam seus talentos de sempre, como nunca. Há elementos de road-movie, de desilusões típicas da Hollywood setentista, além de, é claro, o pós-impressionismo das cores tão diletas ao diretor: o verde, o azul, o vermelho. Caso fosse possível – bom, eu decido que é possível – é um estilo noir-colorido. Wong-kar Wai soube adequar bem a essência de seu estilo a Hollywood – a história é mais consistente, o visual menos estupefaciente e o ritmo é mais linear – mas toda a beleza, aquela de vir a vontade de fazer genuflexão durante a projeção e pensar “caralho, é por isso que eu amo cinema”, toda a magia e a poesia mantêm-se e manter-se-ão incólumes, para sempre, se os deuses assim quiserem. Deixo aqui, pois, minha reverência a essa pequena obra-prima sobre desencontros, vícios e perdição. Sabe, às vezes o encontro tão esperado, a virtude quase inatingível e a redenção tão martirizada estão ali, do outro lado da rua, num pedação de torta de blueberry.

terça-feira, 15 de abril de 2008

E tudo vai se aprofundando na retórica.

Política (Athalyba e a Firma)

Politica
Nossa vida mais e mais ficando crítica
Basta olhar que você vê que a vida cívica
Deteriora tanto quanto a coisa pública
Quanto choro, quanta fome, quanta súplica
Quanto nojo de saber que gente estúpida
De mamatas vai vivendo na república

Joga o jogo de enganar postura física
De enganar figura lá postura cênica
Vem política estúpida e anêmica
Vem política raquítica, cínica
Choque vai, inflação vem de forma cíclica
Nem precisa consultar a estatística
Pois de fato a gente sente a vida rústica
Que não há como mudar o tom da música
Pois vai mudar, vai melhorar, vai ficar nítida
Sua alegria de viver será explícita
Nos palanques bem montados, boa acústica
São patéticas promessas de política

De política em política
De política em política
De política em política

Essa política gerando gente cínica
povo mais cada vez ficando cético
Gabiru será um dia milimétrico
São escândalos, processos quilométricos
São seqüestros, falcatruas sem inquéritos
Ser parente se promove pelo mérito
Superfaturada a compra, coisa ilícita
Divulgado o resultado da balística
Só se tinha um tiro certo para o céfalo
Deram dois na inflação, efeito ínfimo
Galopante volta a fera, segue o ritmo
Qual doença degradando o corpo aidético
Então o político declara ser o médico
Diagnostica que a cura é pelo empréstimo
Com certeza vai querer morder o dízimo
E ao problema ele receita um analgésico
E toda verba vai pro bolso dos corruptos
E todo o povo ajoelhado ante o púlpito
Ora a deus, pede luz para o facínora
Encarnado na figura do publícola

De política em política
De política em política
De política em política

Avanço no futuro, cibernética
Com videogame, disc-laser, informática
Milidados vão na fita magnética
E essa política atrasando o sul da América
Demagogia se tornando vida prática
Recessão na economia mais estática
A gente não sabemos nem uma gramática
E na saúde como a coisa está dramática
Se ganho vinte: noves-fora, matemática
Lá vai imposto numa construção lunática

Teve debate na TV caiu na sátira
Lobbies lobos lambem lá de forma sádica
Outros bobos querem resolver na mágica
Alguns acharam a solução compondo máximas
Outros já preferem agir de forma tácita
E tudo vai se aprofundando na retórica
E de política o povo está com cólicas
E vai levando na sua vidinha módica
Quando o que dá risadas, sente cócegas
Do salário de miséria, coisa cômica

Parlamentarismo, monarquia ou república
Muda o nome e terão todos forma única
Se não mudar a mentalidade lúdica,
modo de se encarar a coisa pública
Enquanto isso a esperança mais umbrícola
Secando a roupa no varal ainda úmida
sol batendo numa gota d'água fúlgida,
Que será de nós e de nosso habitat
Suando as mãos nós limparemos a política
A inflação é conseqüência desse cólera
E todo mal que nos assola é uma alíquota
Cujo montante principal é a política
Essa política sem lógica, sem nexo
Essa política do próprio paradoxo
Essa política larica mais que tóxico
Essa política do fight bem no plexo
Essa política que não respeita sexo
Essa política perdida em circunflexo
Essa política mentiras em anexo
Essa política do choque heterodoxo

De política em política
De política em política
De política em política.

[ Veja e ouça. ]

Essa política gerando gente cínica.

A mesma imprensa que inventou o factóide do terceiro mandato agora reclama da incompetência da oposição. É cobra picando cobra. Sem falar quer a história do tal dossiê só serviu pra deixar a Dilma famosa e vinculá-la ao Lula.

No Estadão:

"Defender mais um mandato para um presidente que chega a ter mais de 70% de avaliação positiva traz evidentes benefícios políticos e eleitorais a quem monta nessa proposta. Ter um terceiro mandato defendido por inúmeras vozes traz notórios benefícios políticos ao presidente Lula. Esses benefícios ficam ainda mais avolumados se o presidente recusar a prebenda que lhe oferecem, dando uma demonstração de humildade, coerência e desapego ao poder.

Os benefícios serão ainda maiores se a oposição morder a isca, cair na armadilha e ficar batendo contra o terceiro mandato. Estará ocupada com um nada, com uma não-realidade política, enquanto o governo navega num oceano calmo, sem enfrentar os percalços de uma oposição efetiva - seja porque ela se ocupa do nada, seja porque ela empunha os esfarrapados estandartes de um embate moralista improdutivo.

No projeto de sua autodanificação, a oposição tem a ajuda de uma poderosa armada: analistas e colunistas políticos que a munem com as teses desidratadas de substância política e programática. Na medida em que não estamos mais numa era de conspirações militares, como foi no passado, quando o embate político se decidia pela arbitragem militar, a oposição moralista se tornou inócua e uma espécie de bênção para o governo. As pesquisas mostram que parte minoritária da sociedade julga que a corrupção é um dos principais problemas do País. Ao conferir-lhe centralidade no combate ao governo, a oposição faz política para uma minoria já oposicionista e não consegue ganhar dividendos políticos e eleitorais. O embate moral só tem alguma eficácia quando secunda uma disputa em torno de programas e projetos.

Nessa história de terceiro mandato, a oposição está perdida num labirinto sem saber em quem atirar. Não consegue enfraquecer Lula, porque o presidente a secunda no repúdio ao terceiro mandato. Não consegue alvejar o PT, porque o partido também não alimenta a tese. E não consegue abater os propositores da idéia porque estes, individualmente, não expressam uma força política real."
(Aldo Fornazeri, doutor em ciência política)


Na Folha:

FOLHA - O sr. é favorável ao terceiro mandato para o presidente Lula?

LAWRENCE PIH (empresário, presidente do grupo Moinho Pacífico) - Na conjuntura atual, seria bom para o país. Pelo menos para que o programa do presidente seja prolongado: distribuição de renda, resgate da população mais carente do país, universo importante que o governo conseguiu. O país está crescendo num ritmo maior.

FOLHA - Como o sr. vê as críticas ao terceiro mandato?

PIH - Algumas pessoas dizem que seria um golpe. É um processo democrático. Até sugeriram um plebiscito. Se houver consulta à sociedade e a sociedade aprovar, seria a vontade da maioria. Se a sociedade aprova que o presidente Lula merece um terceiro mandato, porque o projeto dele não está completo, e a sociedade está satisfeita com a forma de governo que Lula vem conduzindo o país durante oito anos, é democracia, meu Deus.

FOLHA - O governo está articulando o terceiro mandato?

PIH - Não. Quando a economia vai bem, quando a popularidade do presidente está alta, o assunto vem à tona. Por que o ex-presidente FHC e seu governo articularam o segundo mandato? Porque a popularidade dele permitia, e não houve consulta à sociedade. O Legislativo tomou para si a responsabilidade e com gestões pouco elogiosas, como as acusações de compra de voto para mudar a Constituição. Essa conversa de golpe é uma questão de conveniência.

FOLHA - Essa vontade resulta de projetos como o Bolsa Família ou é disseminada em toda a sociedade?

PIH - O Bolsa Família tem um aspecto importante, o crescimento econômico também. Hoje a população sente que está melhor do que oito anos atrás. Você não pode dizer que o governo usou o Bolsa Família para tentar cooptar o eleitor. O eleitor se sente bem ou não.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Interlúdio

O' mighty Lady of the Night. Mistress of beasts. Bringer of awe and derision. Thou whose spirit lieth upon every act of oppression, hatred and strife. Thou whose presence dwelleth in every shadow. Thou who strengthen the power of every quietus. Thou who sway every plague and storm. Harkee. Thou art the Queen of Loveliness. Thou art the queen of purring cats. Thou hath the power to force any light in wane. Sans mercy. Sans compassion. nor will to answer whosoever asketh the why. Thy path is capricious but yet so wide. With no such thing as an impediment to strong. Every time thou consecrate me to another secret of Thine, I take another step towards Thy Pantheon. Thou whose presence dwelleth in every shadow. Thou who strengthen the power of every quietus. Thou who sweep every plague and storm. Harkee. Forever wilt I bleed for Thee. Forever wilt I praise Thy beloved name. Forever wilt I serve Thee. Thou shalt shalt forever prevail.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Eternidades da semana

Só eu estou de saco cheio da punhetação com a história dessa Isabela, o João Hélio da vez? Só eu me irrito com a morbidez disfarçada de falsa indignação que a imprensa oferece e a população devora? Só eu acho que, por mais tosca que a história seja, os pais não deviam ser linchados previamente? E essa morbidez irracional, esse verniz de civilização que descasca por qualquer coisa, mostra que, nas pesquisas, o apoio à pena de morte sempre cresce consideravelmente após esses casos que abalam a opinião pública (leia-se classe média)?

*****

Só eu acho que o Brasil, em vez de injetar a cifra-recorde de R$ 1.192.976.259,27 na delegação olímpica rumo a Pequim, devia colocar-se no seu lugar de país furreca e, em vez de mandar delegações enormes, maiores que a dos EUA, com equipes que vão do críquete ao tipo-ao-pato, só para passar vergonha e tomar três eliminações por dia de competições fazer como o Quênia, por exemplo, que só manda os corredores fundistas, pois é o que tem chance de medalha?

*****

Ta certo, todos já estamos acostumados com a Catanhêde, o FHC (e todos os seus ex-ministros-bogus) e seu bogus-escada oficial, o Gaudêncio, falando de como o Governo Lula é feio, malvado e cabeça-de-melão, e ah-que-saudade-eles-têm-da-aurora-do-tucanismo; mas pô, podiam disfarçar, né. A Folha e o Estão estão passando da conta: colunas de Daniel Piza, Ferreira Gullar, Danuza Leão, João Ubaldo e Bárbara Gancia, todos eles em cadernos de entretenimento (leia-se, normalmente, futilidades), descendo, invarialmelmente, a lenha no Lula. Menos, né, pessoal.

*****

Aliás eu até guardei um texto de algumas semanas atrás para mostrar o baixíssimo nível dos nossos (?) colunistas – e ainda querem abolir a obrigatoriedade do diploma jornalístico. Vejamos o toscão (mas até bem intencionado, apesar da burrice) Antonio Ermírio de Morais comentando a relação rendimento escolar versus Bolsa-Família. Brilhante! Como é para assinantes, faço questão de publicar o artigo inteiro.

São Paulo, domingo, 16 de março de 2008

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Educação e Bolsa Família

OS RESULTADOS de uma pesquisa recente, publicados pelo Estado, foram muito preocupantes. Eles dizem que os filhos dos que recebem Bolsa Família estão abandonando a escola precocemente ("Abandono escolar cresce entre dependentes do Bolsa Família", 9/3/08). Foi a pior notícia que li nos últimos tempos. Nada é mais urgente neste país do que uma boa educação.

O pioneiro Bolsa Escola, criado pelo ex-prefeito de Campinas José Roberto Magalhães Teixeira, na década 90, foi um grande achado, porque introduziu um sistema de reciprocidade que deu como resultado a redução da evasão escolar: a família recebia um reforço de renda com o compromisso de manter seus filhos na escola e com bom aproveitamento.

O então governador Cristovam Buarque introduziu o sistema na capital federal, e o presidente Fernando Henrique ampliou-o para todo o Brasil. Foi um sucesso. O programa ganhou a atenção internacional. A reciprocidade era o cerne daquela ação.
Na pesquisa apresentada pelo Estado, a taxa de evasão escolar dos que recebem Bolsa Família cresceu entre 2002 e 2005. Em alguns casos, a taxa mais do que dobrou. Isso é grave, muito grave. O que está havendo? Os controles afrouxaram? A reciprocidade acabou? O valor da ajuda se deteriorou?

O Bolsa Família paga R$ 58 por família e mais R$ 18 por filhos entre 0 e 15 anos nas situações familiares em que a renda per capita é inferior a R$ 60. Após os 15 anos, o filho deixa de receber a sua parcela.

Na referida pesquisa, alguns professores afirmaram que muitos dos seus alunos só estão na escola por causa daquela ajuda. Assim que completam os 15 anos, vão embora.

O Ipea indica também que a evasão mais alta é dos adolescentes mais velhos, o que levou o Ministério da Educação a estender o reforço de renda até os 17 anos.

Com isso, o pagamento máximo para uma família subirá dos atuais R$ 112 para R$ 172, desde que ela mantenha na escola os seus filhos entre 15 e 17 anos.

Se esse é o problema, tudo indica que o Brasil precisará ir aumentando o benefício do Bolsa Família para atingir seus objetivos. De um lado, a referida extensão tranqüiliza, porque manteremos os brasileiros na escola por mais tempo. De outro, preocupa, porque muitos ficarão na escola só para receber essa ajuda.

Por isso, precisamos saber qual é o desempenho real dos alunos mais velhos mantidos com o Bolsa Família. Esse dado é essencial para saber o valor do programa nos dias de hoje.


Perceberam a burrice? Na cabeça dele, o Bolsa-Família é culpado pelo desinteresse das crianças pela escola, sem atentar ao fato de que, desde sempre, crianças pobres vão à escola só para comer. A anta não percebe que o problema não é a ajuda do governo, e sim a incompetência do MEC em criar uma grade curricular que mantenha os alunos interessados nas aulas, e não só na ajuda financeira-alimentícia.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Show me a hidden path to the source of wisdom.

[Este texto está mais ou menos escrevinhado faz uns meses, desde o final de janeiro ou o início de fevereiro. Mas tentarei manter o espírito da época, fazer que os amores e aromas voltem à lembrança, do jeito que desejarem retornar.]

“Enquanto escrevo tomo, gota a gota, um chá de laranjeira”.

Era uma quinta-feira, salvo engano, início de tarde, e eu no ônibus, indo ao médico, lendo O Braço Direito, do Otto Lara Resende, quando li a frase acima, e tive a epifania do poder que a linguagem tem de nos arrebatar, seja no enlevo ou no escárnio, na carícia ou na agressão. Embora estivesse muito quente, pleno verão, e o chá do personagem devesse estar fumegante, pude sentir no olfato, direto para o cérebro, a sensação alaranjada da vida a conta-gotas dele, tão sem propósitos.

Laranjeira me levou ao laranjal, plantação de laranjeiros/laranjeiras, pés-de-laranja; laranja que vem do árabe naranya e/ou do persa narang. Palavra vem do grego parabole e linguagem [língua + agem (coleção, ato, estado, do latim aticum, por meio do francês -age].

Quando aprendo ou redescubro uma palavra nova, logo quero utilizá-la; primeiro numa experimentação lúdica, depois num obsessivo processo de sondagem investigativa dos seus recônditos, a fim de que se me revelem todas as suas possibilidades; sim, porque em cada palavra há mais matéria e metafísica do que em todos os universos.

Estudo psicologia, filosofia, letras, comunicação, belas-artes, arquitetura, política, medicina, sociologia e nada é para engrandecimento pessoal, lucro ou projeto; a única intenção, já há algum tempo – talvez desde sempre – é tão-somente enriquecer cada vez mais a minha lírica com a maior variedade possível de imagens interligadas e rearranjadas.

O segredo da existência está na linguagem. Só a comunicação pode, ao mesmo tempo, transcender a impermanência e capturar o instante fudigio (e, ao mesmo tempo, imensurável). Em uma palavra tudo se define e redefine. A palavra é tudo que é a palavra.

Eu sou o verbo feito carne: feitiçaria generalizada, alquímica, anárquica – todas as palavras são mágicas.

[ "Temos de parar de pensar se nos recusarmos a fazê-lo na prisão da linguagem." (Nietzsche) / "O homem age como se ele fosse o formador e o mestre da linguagem, quando, na verdade, a linguagem é a mestra do homem." (Heidegger) / "O homem não existe antes da linguagem, seja como espécie, seja como indivíduo." (Barthes) / "Os limites de minha linguagem são os limites de meu mundo." (Wittgenstein)]