terça-feira, 9 de outubro de 2012

The most august sorcerers of Hades darkly seized for me a throne.



Para entender o black metal (parte 4 - final)

(Parte 3 aqui)

Ainda no turbilhão de 1994, tivemos discos importantíssimos. Entre os lançamentos que foram gravados no ano anterior, viram a luz (?) o ousado Dark Medieval Times, do Satyricon, cheio de teclados, violões e flautas (mas ressentindo da má produção, independente); Transilvanian Hunger, do Darkthrone, que, por sua vez, foi gravado de forma tosca de propósito, radicalizando a proposta primitiva do álbum anterior; e os classudos e complexos Vikingligr Veldi (Enslaved) e In The Nightside Eclipse (Emperor), de arranjos grandiosos e intrincados. E, no mesmo ano, o Enslaved gravaria e lançaria ainda mais um disco, Frost, na mesma linha do anterior.

Burzum, com Hvis Lyset Tar Oss (gravado em 1992, porém lançado apenas em 1994) deu caráter mais épico ao projeto de Varg (destaque para os climáticos 14min de Det Som Engang Var, nome do disco anterior) e se aprofundando no clima ambient music (Brian Eno, Jean-Michel Jarre, Tangerine Dream) com a etérea instrumental Tomhet (também com mais de 14min).

Tivemos também os debutes de duas bandas que causariam polêmica nos anos seguintes (desta vez, por motivos estritamente musicais) – For All Tid, do Dimmu Borgir (cujo líder, Shagrath, havia tocado no seminal Fimbulwinter), com seu black metal sinfônico, cheio de teclados, e The Principle Of Evil Made Flesh, do Cradle Of Filth, que desfilou o vampirismo gótico na cena.

Partindo da discografia até então, pode-se definir mais ou menos como o black metal criou as subdivisões dos anos posteriores (mesmo que as próprias bandas “seminais” tenham tomado outros rumos, como veremos a seguir).

Emperor, Satyricon, Dimmu Borgir e Cradle Of Filth deram origem ao symphonic black metal, e até ao avant-garde black metal, de certa forma (ainda que o importantíssimo Bergtatt, do Ulver, saísse apenas em 1995), com seus arranjos grandiosos e complexos, com teclados entremeando os vocais ora sujos, ora limpos, entoando letras mais trabalhadas.

Enslaved guiou praticamente sozinho (Borknagar, Windir e Einherjer, entre outras, jamais foram tão grandes ou influentes), durante o restante da década, o viking metal pós-Bathory, e ainda lhe deu contornos progressivos em Eld (1997) e Blodhemn (1998).

Nessa época, Quorthon estava mais interessado em thrash/death (Requiem, de 1994, e Octagon, de 1995), além de lançar dois interessantíssimos discos-solo de pop-rock (!), Album (1994) e Purity Of Essence (1997) – o excelente Blood On Ice, apesar de lançado em 1996, fora composto em 1988, e seu retorno outonal ao estilo épico, com Nordland I (2002) e Nordland II (2003), não teve tanto impacto (embora a qualidade fosse inquestionável).

Immortal e Mayhem fizeram surgir inúmeras bandas do chamado (jocosamente) “norsecore” – rápido, frio, gelado, cheio e trêmolos e blastbeats, com temas entre o inverno e o satanismo, e integrantes usando cinto de balas de fuzil e corpse paint.

Darkthrone incentivou inúmeros grupos de tr00/raw black metal – visual monocromático, som mais cadenciado, porém simplíssimo e “reto” (para dar a noção de “frieza”), com gravações lo-fi, com cara de fita demo caseira (e às vezes era isso mesmo).
 
Já o Burzum, até pelas inúmeras influências fora do metal que Varg sempre teve (ambient music, pós-punk, krautrock), foi certamente o que fez nascer o maior número de subestilos, que, por sua vez, continuam se ramificando até hoje:

- depressive black metal (normalmente projetos-solo com vocais torturados típicos de Varg, sonoridade de Joy Division tocado com os timbres do Burzum, letras sobre tristeza, angústia, solidão e desesperança, e estética de apologia ao suicídio, com revólveres, facas e forcas, além de cenas de automutilação), de bandas como Lifelover, Judas Iscariot, Xasthur, Shining e Silencer;

- post-black metal/blackgaze, que mistura black metal com post rock, shoegaze e até um pouco de folk, algo tão complicado que inclui bandas diferentes entre si como Agalloch, Falloch, Alcest, Les Discrets, Old Silver Key, Cold Body Radiation, Lantlôs, Heretoir e Celephaïs.

Enquanto isso, entre a explosão do black metal norueguês na mídia e o assassinato de Euronymous, muitas bandas de outros países, inspiradas pela first wave (Bathory, Sarcófago) ou [também] migrando do death para o black metal, de olho na Noruega (vale lembrar que o influente Live In Leipzig, do Mayhem, é de 1990), surgiram e tiveram destaque, formando cenas bem distintas.

Na Suécia, como já dito, tivemos a ascensão especialmente do Marduk, que, entre discos mais “melódicos” (muitas aspas, por favor) e mais brutais, o tal “norsecore” (do qual outro grande representante é o conterrâneo Dark Funeral). Dissection, com seus discos clássicos The Somberlain (1993) e Storm Of The Light’s Bane (1995), influencia bandas até hoje, como o alemão Thulcandra. Outras bandas típicas do rude black metal sueco são The Black (com vocais de Jon Nödtveidt, do Dissection), Pest (ambas no clima lo-fi do Darkthrone), Lord Belial, Watain e Arcknanum (com suas letras em sueco antigo).

Na Finlândia, bandas influenciadas tanto pelo death metal do Sarcófago quanto pelo crust punk e o grindcore, praticam um black metal extremamente brutal, com destaque para Behexen, Beherit (que também teve uma estranha fase ambient doom) e o absolutamente insano Impaled Nazarene. As duas últimas possuíam certa rixa com bandas norueguesas entre 1992 e 1993, chamando-as de poseurs e modistas, especialmente por terem todas migrado do death puro para o black puro. Porém não houve nada muito além de trotes para Samoth, do Emperor, e as ofensas na contracapa do primeiro disco do Impaled Nazarene, Tol Cormpt Norz Norz Norz (1993): "No orders from Norway accepted" e "Kuolema Norjan kusipäille!" ("Morte aos cuzões da Noruega!").

Outras cenas relevantes estão na Polônia, com Behemoth (que depois migrou para o death, fazendo o caminho inverso do usual) e Graveland; na França, com o movimento chamado Les Légions Noires, que incluía Mütiilation, Vlad Tepes, Belketre e Torgeist, e os atuais, herméticos e inclassificáveis Peste Noire (que tem um dos integrantes, Neige, prolificamente na cena blackgaze, com bandas como as já citadas Les Discrets e Alcest) e Deathspell Omega; nos EUA, como o chamado USBM, com influência de black/thrash, de Black Funeral, Grand Belial’s Key, Absu e Abazagorath, além dos grotescos Inquisition e (o já citado) Judas Iscariot; na Suiça, não há cena propriamente dita, mas o influente Samael (que hoje pratica metal industrial); na Grécia, Rotting Christ (que foi adicionando elementos góticos ao som), Varathron, Necromantia, The Elysian Fields, Thou Art Lord, Diabolos Rising; na Áustria, o medievalismo satânico de Abigor e Summoning.

E, no decorrer da década, as próprias bandas influentes da Noruega seguiram outros caminhos. Darkthrone pagou tributo ao Celtic Frost com discos como Panzerfaust (1995) e Total Death (1996), antes de mergulhar numa fase mais puxada para o crust punk, que dura até hoje. Emperor deixou seu com ainda mais complexo (e, de certa forma, mais acessível), embora s composições tenham ficado menos brilhantes na mesma medida em que a produção fez jus à técnica do som, até encerrar as atividades em meados da década seguinte. Mayhem, reformulado, lançou discos de forte apelo avant-garde, com a entrada Blasphemer na guitarra e os retornos de Maniac (da época do Deathcrush) e, atualmente, Attila Csihar (substituindo Maniac, demitido por problemas de alcoolismo). Satyricon lançou uma obra-prima do black metal noventista, Nemesis Divina (1996), e depois mudou o som para um lance ao mesmo tempo mais primitivo e mais pop, com toques de industrial/eletrônico. Immortal adicionou toques de metal tradicional ao som. Enslaved segue firme no progressivo/psicodélico.

Já o Burzum, como sempre, merece parágrafo à parte. Filosofem, gravado ainda em 1993, mas lançado somente em 1996, ampliava o ambient/krautrock esquizofrênico do disco anterior, com ecos de industrial. Havia pouco de metal no disco, que era mais experimental, contemplativo, minimalista e radicalmente hipnótico. Entre guitarras cheias de fuzz e vocais saturadíssimos, à industrial como em Jesu Tød, havia muitas instrumentais, incluindo uma com mais de 25min (Rundtgåing Av Den Transcendentale Egenhetens Støtte). Pretensioso, porém igualmente inovador e conciso. Era o disco mais bem acabado do Burzum até então. Na cadeia, com as evidentes restrições instrumentais da prisão, Varg lançou dois discos gravados somente com teclados e sons MIDI (Dauði Baldrs, de 1997, e Hliðskjálf, de 1999). Dívida com a sociedade cumprida, retomou o metal com abordagem mais pop/tradicional e até vocais limpos, retomando a carreira do ponto de Filosofem.  

Na própria Noruega, o estilo continua parindo bandas tão diversas quanto Dødheimsgard (que foi do black tradicional ao industrial) e o blackmetalpunk do Kvelertak.

E o Brasil? Vai bem, tanto com o old school Mistyfier, quanto com o second wave Amen Corner e os atuais Corubo (com letras em tupi-guarani!) e Ocultan (e seus temas de quimbanda!).

Uma vez aberta a caixa de pandora do black metal, o mal e a escuridão permanecem com raízes fincadas em toda a Terra. Para nossa sorte musical.