terça-feira, 29 de abril de 2014

Tem que ser selado, registrado, carimbado avaliado, rotulado.

Sabe aquele ateu chatão que, quando ouve um bem-intencionado “vai com Deus/fica com Deus”, responde mal educadamente que Deus não existe, etc.?

Pois tem horas em que a esquerda age exatamente assim, eu incluso, portanto vou fazer um mea-culpa aqui.

Exceto por Luciano Huck e Neymar, oportunistas que não conseguem fazer absolutamente nada que não seja pensando em marketing e dinheiro (como se já não tivessem o bastante), estou certo de que a ampla maioria das manifestações de apoio ao gesto (genial) de Daniel Alves contra o racismo sofrido no final da semana passada foi movida pelas melhores intenções.

No entanto, a esquerda em geral (e não só o movimento negro) caiu de pau nas fotos com banana e na tag #somostodosmacacos, alegando que era banalização do problema, que era um defeito do brasileiro tratar tudo como brincadeira, que branquelos só querem saber de aliviar suas consciências de classe média e mais um monte de reclamações nessa linha. Além de posts-bronca no Facebook, surgiu até a tag #nãosomosmacacos no Twitter.

E mais uma vez ficou aquela sensação de que os movimentos sociais passam o tempo todo batendo bumbo para terem suas causas ouvidas, mas, quando alguém de fora tenta mostrar algum tipo de apoio, é imediatamente rechaçado.

É o mesmo tipo de reação do movimento feminista, que geralmente tanto recusa o apoio masculino (“homem não pode ser feminista”) quanto encrenca com coisas como receber parabéns pelo Dia das Mulheres, por ser uma data de luta (e não de comemoração).

Não tiro a razão de nenhuma dessas alegações, nem dos negros, nem das mulheres (apesar de muitos homens brancos também passarem esses tipos de sermão por aí), mas será que não estamos todos sendo ranzinzas demais?

Uma hashtag não resolve nada? Talvez não, na verdade não mesmo. Mas é simbólico, é um gesto de quem pretende mostrar que se importa, que apoia aquela causa de algum jeito (mesmo que de um jeito inócuo), sem saber de que aquilo é oportunismo de marqueteiro.

Da mesma forma que o homem que parabeniza a mulher “pelo seu dia” só está querendo ser gentil, educado, quem postou foto com banana nas redes sociais está tentando demonstrar empatia.

Historicamente a esquerda perde tempo demais brigando entre si, enquanto a direita releva suas diferenças em nome do poder.

E nos últimos dias passamos mais tempo discutindo a “forma correta” de se manifestar contra o racismo do que nos manifestando contra ele de fato.

Tem muito sommelier de manifestação, hostess de movimento social, que aparentemente acha que só preto pode falar sobre pretos – e preto não pode falar sobre travestis, a não ser que também seja um; e o branco hétero sem-terra, por exemplo, tem que ficar quieto e esperar a sua vez de se manifestar.

Antes de saber que era uma ação de marketing, já estávamos reclamando de o Neymar se manifestar contra o racismo “por ele não se achar preto”. Quer dizer, se o cara é alienado, reclamam; se ele mostra alguma consciência social, também não pode.

O playboy não pode ouvir Racionais MCs – porque sendo playboy ele necessariamente não se importa com a periferia, sequer tem algum interesse de sabê-la.

Se alguém notoriamente cretino, como o Reinaldo Azevedo apoia, então a campanha está obviamente errada; ninguém pensa “olha só, se até ele apoia é sinal de que isso já não é mais tolerado como antes”.

Prefiro achar que essas manifestações, inócuas ou não, mostram que o Bem continua sendo a maioria, como sempre foi (muito embora os fatos tentem nos convencer do contrário). Que rotular imediatamente de hipócrita qualquer pessoa "de fora" que tenta ajudar não colabora muito para causa alguma.

E que qualquer apoio que não seja o do Luciano Huck é sempre bem-vindo.