segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Ouça-me bem, amor (I de II)

A fabulosa, incrível e magnânima lista dos discos nacionais lançados em 2014 que mais curti [não está em ordem de preferência].

Amigo Da Arte (Alceu Valença)
Não é o ponto mais inovador na carreira de quem sempre inovou muito o tempo todo – é mais uma mergulho nas tradições sertanejas pernambucanas, numa espécie de revisitada na carreira toda, mas como é bonito e ensolarado esse álbum!, por isso merece estar aqui. Frevos, maracatu, embolada, ponto africano, canto de lavadeira, baladinha rural, forró, afoxé, tudo com glacê pop-rock_mpb, que, mais que pasteurizar, atualiza a coisa toda. Justíssimo para esse gigantesco artista que é tudo isso e mais, com mais colhão que qualquer roqueirinho do Baixo Augusta. É um Carnaval-São João sem fim, ouça com sorriso no rosto.
Ouça: Ciranda Da Aliança


Aliança Hostil (Tonto)
Tá certo que não entendi porque os goianos do Violins fizeram um projeto paralelo sem guitarras, já que alguns teclados emulam distorções das seis cordas, mas se tem as canções e a voz do sempre imprescindível Beto Cupertino, já via pra qualquer disco de melhores. Beleza e suave melancolia (com os teclados ecoando um pouco de Keane) num trabalho bastante maduro, na linha mais serena, digamos assim, que a banda-mãe vinha adotando desde Direito De Ser Nada (2001). “Até beleza, se é sem graça, perde valor”.
Ouça: Comício [com participação da conterrânea Bruna Mendez]


Christ Worldwide Corporation (Amen Corner)

Desde o clássico Jachol Ve Tehila, há quase 20 anos, que estes curitibanos infernais não lançavam um disco tão bom: um EP e dois full-lengths, cada um com uma formação (sempre capitaneada pelo heroico vocalista Paulista) e um estilo diferentes, e nenhum digno dos anteriores. Neste retorno à boa forma, a banda volta a privilegiar o peso em relação à velocidade (nada de trêmolos ou blastbeats), numa tradicional pegada muito mais para Mystifier do que para Mayhem – e, portanto, na melhor tradição do black com toques de death brasileiro 1980s-1990s – com destaque para o sempre excelente trabalho de guitarras, entre o afrontador e o melancólico, que lembram grandes momentos de Jachol... como Black Thorn e My Soul Burns In Hell. E os vocais cheios de ódio, maldade e ressentimento do incansável Paulista, vociferando letras simples e eficazes, completam perfeitamente o festim blasfemo.
Ouça: Mutilated Children Stolen Souls


De Lá Não Ando Só (Transmissor)
Num universo de pop rock suave (às vezes até demais) e melódico em que transitam Ludov (na eletrônica discreta), Pullovers (na limpeza dos timbres) e até Maria Bacana (na voz frágil), o sexteto belo-horizontino, que conheci no (fraco) tributo a Belchior Ainda Somos Os Mesmos, do início do ano (a versão deles para Fotografia 3 x 4 era a única que prestava), vem com esse terceiro disco adicionando mais ecos de Clube da Esquina (e até Guilherme Arantes) à mistura, nas sonoridades etéreas e letras simples. Não vai mudar a vida de ninguém, mas é um bom alívio musical para tardes nubladas.
Ouça: De Lá Não Ando Só


Masao [EP] (Labirinto)
Donos incontestáveis do melhor show brasileiro da atualidade, o magnificent seven paulistano despeja as vastíssimas paisagens desoladas de seu post-drone-doom instrumental, que em questão de instantes pode remeter tanto ao Pink Floyd do Meddle quanto ao Anathema do Pentecost III, neste EP composto de uma única faixa, de 25min, homenageando Masao Yoshida (1955–2013), gerente da usina nuclear de Fukushima, que permaneceu, com sua equipe,  em seu posto de trabalho após o infame acidente em 2001, para tentar conter o desastre. Masao acabou morrendo em 2013, vítima de câncer no esôfago.
Ouça: Masao [versão editada]


Melancolia & Carnaval (Rogério Skylab)
Apesar de haver dito que esse personagem havia se encerrado com o final do decálogo (Skylab I a Skylab X), o inquieto carioca Rogerio Tolomei Teixeira surpreende ao liberar para download mais uma obra sob esse pseudônimo – e pasmem!, um disco de sambas, boleros e baladas jazzísticas, num clima de piano bar cinquentista. A escatologia, a meditação sobre a morte, a decadência humana e a impermanência estão lá, como sempre, mas com a melancolia algo outonal do disco anterior, o ...X. Na verdade, há pouco da visceralidade habitual: no geral as músicas são mais belas e sérias, no sentido estrito. Na maior surpresa do ano, Skylab “vive tranquilamente todas as horas do fim”.
Ouça: Cogito


Miragem (Ludov)
Com o excelentíssimo EP Dois A Rodar (até hoje a obra-prima deles) e o primeiro álbum O Exercício Das Pequenas Coisas tocando na Brasil 2000 e na MTV, com os shows crescendo e lotando, parecia que a banda ia estourar e se tornar grande pelo menos em São Paulo. Sabe-se lá por que, não aconteceu. A banda encolheu pra sobreviver, se fechou num lugar distante do power pop do início, e seguiu caminho no semiprofissionalismo, lançando discos cada vez mais introspectivos e melancólicos, num amadurecimento ante à (provável) frustração: “Essa aventura de partidas e nunca de chegadas | Fiz um mapa pra seguir e me perdi nas coordenadas”.
Ouça: Cidade Natal

Não Existem Civis/A Era Das Chacinas [single] (Eduardo)
Sim, é só um single – o disco duplo A Fantástica Fábrica De Cadáver, disco duplo (!) de estreia do A ex- e eterna voz do Facção Central, Eduardo Taddeo, tinha previsão de estreia para hoje –, mas, em época de disco decepcionante dos Racionais MCs, e da contaminação da cena por tanto rap bunda-mole feito pra tocar de BGzinho no ‘Esquenta’, da Regina Casé, é um alívio reencontrar com bases pesadas e versos que chutam bundas, inclusive dessa baboseira de ‘ostentação’. “Só abaixo minha minhas armas e deixo o combate | Com 90% das vagas das faculdades | Enquanto a representatividade for no índice de finados | Muito Eike vai ter pesadelo com o Eduardo”. Desde já, essencial.
Ouça: Não Existem Civis

Outro Seu (Gram)
Até agora não ranqueei nenhum dos discos, mas este é o grande lançamento do ano. Não é o mesmo Gram: com a saída de Sérgio Filho, foram embora as tonalidades Beatles das baladas de piano. É o mesmo Gram: estão lá as letras doloridas e as guitarras trampadas de Marcos Loschiavo, e agora com a voz visceral de Ferraz. É pesado sem ser caricato. É sensível sem carecer de testosterona. É moderno sem ser hipster. É atemporal sem ser pastiche. Da melancolia agridoce de Condição à catarse de Toda Dor Do Mundo, a melhor música nacional do ano. Bem feito, bem tocado, bem produzido. Vida longuíssima ao novo e eterno Gram.
Ouça: Toda Dor Do Mundo


Rasura (ruído/mm)
Aos quarenta e cinco do segundo, pesquisando sobre algo de que eu não tivesse lembrado, descobri essa joia do post-rock. É o quarto disco desses curitibanos do ruído por milímetro (é assim que se fala), e é simplesmente o melhor disco instrumental brasileiro que ouvi neste ano. Psicodélico na medida certa, fica transitando entre Explosions In The Sky e Pink Floyd, passando por coisas mais esparsas como Jesu (ótimo lugar para se estar, aliás). Pra ouvir durante o tabalho e ficar calminho.
Ouça: Penhascos, Desfiladeiros E Outros Sonhos De Fuga


[Logo mais tem a lista dos discos internacionais, fiquem ligadinhos.]

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